quarta-feira, março 21, 2007

O dia da árvore e homenagem a um funcionário público

Problema dos fogos? Fácil para este governo, arrancam-se árvores sempre que se possa, obviamente dentro do melhor interesse público, faz-se um balanço do fogo ( o fogo permanente a que assistimos durante três meses, o fogo registado pelo satélite à vista desarmada) dizendo que não, não foi assim tão mau, diz-se que a área de floresta é a mesma, chama-se floresta ao mato, pinhal aos campos queimados de onde brotam em explosão os novos pinheirinhos (é verdade, eles regeneram sem nada termos que fazer) e diz-se que o eucaliptal não recuou e nada se faz para a prevenção, anunciam-se uns corta-fogos, entregam-se uns jipes e prontos.
Pois, o eucaliptal não recuou, haverá sempre mais e mais, não nos mesmos sítios, claro, não na terra de onde já só brotam rebentos raquíticos após o terceiro ou quarto cortes e que as celuloses já não adubam deixando o terreno descarnado e estéril. O eucaliptal, entretanto, expande para onde ardeu pinhal, expande para onde puder... Este governo é o governo que sempre as celuloses gostariam de ter... o governo que decretou que os proprietários são obrigados a "limpar" as florestas, ameaçando apresentar-lhes a factura em casa. Calculo que entretanto muitos deles, só com o medo dos fogos ou de receberem a conta, terão já vendido ou arrendado os terrenos a quem sempre os cobiçou: as celuloses. Quem duvida de tudo isto verifique onde ardeu o pinhal, que espécie se plantou a seguir, onde ardeu o eucaliptal, que eucaliptal ardeu , em que fase da exploração estava, seria um estudo útil, seria reportagem interessante se ainda houvesse (se alguma vez houve é discutível, mas alguns jornalistas tentaram-no, tendo as consequências de prever nas respectivas carreiras) se houvesse, dizia eu, jornalismo de investigação em Portugal. Celuloses, grupos de turismo e construtores, presidentes de câmara possivelmente, quantos foram alvo de investigação relacionada com os fogos? Quem na polícia se atreveu a seguir o rasto do dinheiro... as pistas deixadas por aqueles que têm a ganhar, e muito, com os fogos? Estes que mandam no governo e que se dizem socialistas, com "determinação" entregam aos interesses do poder económico sem escrúpulos quase toda a área florestável do país, estrangulando os proprietários com ameaças de facturas de “limpezas” e deixando na completa impunidade os mãos de ferro daqueles interesses, deixando-os à vontade, chamando-os "pirómanos" (maluquinhos, portanto, e sempre os haverá, nada a fazer) para não terem que pôr a polícia judiciária a investigar.


Aqui fica a homenagem a Cecílio Gomes da Silva, nascido neste dia da árvore, neste primeiro dia de primavera, em 1923, na ilha da laurissilva, saído deste mundo no Outono de 2005, engenheiro silvicultor da Direcção Geral das Florestas, para quem trabalhou toda uma vida. Técnico excelente, conhecedor do país real (do Portugal profundo como eles agora dizem), das suas espécies e das aptidões dos terrenos, sabendo a dimensão real do território pela sua passada, evitando os gabinetes e as suas politiquices e tricas, autor do primeiro mapa de sensibilidade aos fogos do país (hoje actualizado e digitalizado com os meios tecnológicos modernos mas mantendo a sua bateria de indicadores), entregou toda a vida à floresta, honrou a sua profissão de silvicultor e de funcionário público, nunca se vendendo a ninguém. Depois do 25 de Abril, embora não tivesse qualquer experiência sindicalista, a sua honestidade e frontalidade levou a que fosse esmagadoramente eleito como delegado sindical nos serviços florestais.

Lutou sempre que lhe foi possível contra as negociatas dos lobbies que assolavam a Direcção Geral de Florestas . Deixou este mundo em 2005, não assistindo ao que parece estar a ser a vitória definitiva dos interesses que, sempre que teve voz, com frontalidade denunciou. Possivelmente adivinhou essa vitória.
Deixou claro em artigos e conversas que a "talhadia de eucalipto não é floresta", é negócio não sustentável que destrói o fundo de fertilidade do terreno. Era límpido quando nos dizia que não se deve falar de "limpeza" mas de ordenação da floresta, que a "intervenção deve ser cuidadosa e respeitar o ecossistema, pois o mato não é lixo, lixo são frigoríficos, plásticos e preservativos no pinhal, o mato é sub-bosque, faz parte da floresta, transforma-se em manta morta que é o alimento das árvores"-explicava.
Defendia a plantação de espécies autóctones menos combustíveis como o carvalho e o sobreiro , preferia a biodiversidade à monocultura florestal; aconselhava a criação de talhões tampão plantados com espécies pouco combustíveis como alternativa aos "corta fogos" rasos que os americanos defendem.
Considerava o pinhal uma floresta , enquanto via na "talhadia de eucalipto" (recusava-se a chamar-lhe floresta) o caminho mais rápido para a desertificação e para o esvaimento do solo até à rocha mãe. "Florestas de eucalipto existem na Austrália, onde as árvores crescem sem que as cortem ainda jovens, florestas completas, onde há também coalas" - dizia. Tinha forte sentido de humor, gracejando frequentemente e às vezes o seu humor era acutilante; possuía uma enorme capacidade de trabalho e uma energia inesgotável.
Orientou tirocínios, actividade que no fim da vida profissional muito prazer lhe dava, tendo sido muito prezado pelos seus tirocinantes. Espero que tudo o que ensinou aos seus jovens colegas tenha frutificado um pouco por todo o lado. Essa é a grande esperança, que não se tenham vendido.

Foi parte do muito que com ele aprendi que me inspira directamente o que hoje escrevi. Não tendo a mesma profissão, aqui ressalvo que serão inteiramente minhas eventuais incorrecções (de cariz científico) na reprodução do seu pensamento.

Aqui fica registado o meu respeito profundo por meu pai e também a minha saudade imensa.

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