sexta-feira, março 23, 2007

A autonomia das escolas ou a feira das consciências

A autonomia que muitos defendem, alguns porque soa bem, outros porque sabem que é com ela que poderão manobrar à vontade, excluindo da instituição quem não for cómodo, outros por um idealismo anarquista a raiar a loucura, cego aos animal farms que grassam em muitas instituições públicas com autonomia. Em muitas dessas instituições, politécnicos frequentemente, a excelência, a exigência técnica e a qualidade são perfeitamente irrelevantes na/ ou mesmo o oposto da estratégia real dos "dirigentes", no que respeita a recrutamento e progressão na carreira dos docentes, embora nos sites, nos jornais, em entrevistas e até em anúncios pagos na TV afirmem que defendem aqueles valores que martelam repetidamente. O mercado acredita, numa primeira fase. Mas não interessa muito a reacção do mercado se o financiamento do OGE vier na mesma.

O governo prepara-se para tornar as escolinhas básicas e secundárias em unidades autónomas, com financiamento suplementado pelos tais centros de lucro, ou seja, colocar as escolas sob o regime que deu provas de ser muitíssimo eficaz na manutenção de caciques, nos politécnicos, nas câmaras municipais. Resulta, claro que resulta, é a forma moderna e "democrática" legitimadora do goulag, haverá limpeza, eliminação de adversários, recompensa às fidelidades, a que chamarão de "mérito"... Tudo de bom para os que se souberem posicionar bem.

A gestão democrática foi democrática enquanto houve um concurso público de recrutamento e afectação de docentes de carácter nacional, transparente: não era qualquer badameco eleito para o cargo por ausência de adversário ou precisamente por ser o lugar geométrico dos lobbies e protector das quintinhas, não era esse badameco que podia tirar um professor da escola por ser incómodo, poderia, quando muito e já era muito, no caso de contratação, evitar que fosse a concurso horário completo, isso já podia, mas não era fácil, também aí, a ausência de autonomia não permitia muita manobra .
Os chicos espertos no ministério acham que vão conseguir alterar vínculos sem que ninguém repare e impor as "reformas" pela mão dos cães de fila eleitos pelas vítimas!!!!
Um dia estaremos todos sob as ordens dos presidentes de câmara e outros caciques locais. Os clientes dos actuais /futuros caciques de muitos conselhos executivos esmeram-se todos, fazendo muitas coisas, a mostrar como são excelentes, enquanto dizem mal da ministra por ser in, aliás, ninguém defende a ministra nas escolas, está tudo contra , mas há quem esteja eufórico com os pontos do concurso a comendador e o silêncio está a instalar-se, viscoso, pesado.
Há toda uma geração que esteve nos centralismos democráticos vários, nos saneamentos sumários e levianos, nos silêncios por não ser "oportuno" discutir isto e aquilo, na assunção de que todos os outros são burros e de que há alguns iluminados (nós, claro, eles nunca) que sabem quando, como e o que se deve discutir e, claro, decidir. Muitos desses iluminados estão no governo, nos sindicatos, nos partidinhos, nas escolas. Claro que também, quando defendo algo, costumo frequentemente pensar que todos os outros não estão a ver a coisa bem, reconheço-o, e falar, explicitar, permite verificar que o outro tem algum argumento que ainda não vi , como é, aliás, óbvio e é por isso mesmo que é básico que se discuta e que se argumente antes que o terror se instale.
Se a autonomia de contratação vingar nas escolas, o pior que o ser humano tem virá ao de cima, as pessoas a venderem as consciências, a iniciarem-se no crime, sim, isso mesmo, crime, manipulando alunos para se livrarem de colegas incómodos, por exemplo, outros silenciando por medo de que o próximo seja ele, outros a passarem a defender as chefias como nunca antes…As autonomias de contratação e promoção com eleições várias pelo meio fazem isso, fazem clientelismo e nepotismo que se instalam no poder e na atmosfera e que despertam, estimulam e cristalizam o pior que o ser humano tem.
O silêncio que se instala hoje e agora, vindo dos eventuais clientes, compreende-se. Mas o silêncio dos não clientes, dos que sentem nojo por esse sistema já é mais complicado de perceber, porquê desistir precisamente agora?

I have a dream, uma classe inteira (à excepção dos répteis rastejantes mais próximos dos actuais/futuros caciques) entregando os horários, com cartas de demissão em estilos próprios, únicos, singulares, sem minutas do sindicato. O sindicato a fazer o que lhe compete, a custear a operação no primeiro embate.

A ver ou rever: “Felizmente há luar”, na Barraca

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