Relendo Eça
“— Ando aborrecido! — é o coro geral. Os espíritos estão vazios, os sentidos insatisfeitos. Gradualmente, com a vontade doente, o corpo enfraquecido, o homem só procura distrair, matar o tempo. Mas em quê? Na leitura?
Não se compra um livro de ciência um livro de literatura, um livro de história. Lê-se Ponson du Terrail—emprestado!
Ao teatro não se pede uma ideia: querem-se vistas, fatos, mutações. O espírito tem até preguiça de compreender um enredo de comédia; prefere-se olhar recostado, fazendo a digestão de um mau jantar, os bastidores pintados do Rabo do Satanás.
O Passeio Público é um prazer lúgubre. É uma secretaria arborizada, onde se vai estar, gravemente, em silêncio, do olhar amortecido, de braços pendentes!
Os cafés são soturnos. Meio deitados para cima das mesas, os homens tomam o café a pequenos goles ou fumam calados. A conversação extinguiu-se. Ninguém possui ideias originais e próprias. Há quatro ou cinco frases, feitas de há muito que se repetem. Depois boceja-se. Quatro pessoas reúnem-se: passados cinco minutos, murmuradas as trivialidades, o pensamento de cada um dos conversadores é poder-se livrar dos outros três.
Perdeu-se através de tudo isto o sentimento de cidade e de pátria. Em Portugal o cidadão desapareceu. E todo o Pais não é mais do que uma agregação heterogénea de inactividades que se enfastiam.
É uma Nação talhada para a ditadura — ou para a conquista.”
Eça de Queiroz, Uma campanha alegre
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